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quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Mensagens secretas - por Ernani Só

A escola não é apenas a prova de matemática e sua conseqüência natural, a recuperação.

Muitas professoras, quando vou a escolas falar com as crianças, me perguntam cheias de esperança se fui bom aluno. Não fui.
Tenho minhas notas para provar. Mas um dia desses fiquei matutando.
Veja só, um menino, depois de ler os Contos de Morte Morrida, me disse: "Gostei do seu livro. Descobri que dá pra fazer piada com assunto sério".
Fiquei feliz por ter contribuído para uma descoberta fundamental, ainda mais cedo assim, aos 10 anos. Então me deparei com o sorriso da professora. Eu conhecia esse sorriso, sua cumplicidade, sua malícia bondosa. Nem tive de me esforçar para lembrar. Era o mesmo sorriso de algumas professoras que tive.
Meu primeiro dia de aula: um bando de crianças selvagens numa sala, sozinhas por horas, devido a algum problema burocrático. No meio daquela zoeira, encolhido em minha timidez, pensei: estou frito. Não estava.
Lá pelas tantas chegou a professora Teresa. Ela era linda, mas, melhor que isso, era mais afetuosa que as fadas dos contos. Com ela eu descobri que o mundo, tantas vezes brutal ou esquisito, podia ser tão doce como o mundo que eu começava a abandonar: o das saias da minha mãe e da minha avó. Não tive grandes méritos nessa descoberta, é verdade, mas muitos colegas tratavam a professora Teresa como uma qualquer. Nunca engoli isso. Nunca.
Um ou dois anos depois, foi a vez da professora Lourdes: ela lia Monteiro Lobato e a Bíblia para a turma. Essas leituras valiam por si mesmas: nada de trabalho depois, nada de nota, apenas o prazer de uma boa história. Me parece o melhor começo, porque a leitura pega por contágio, não por obrigação.
Como minhas imunidades eram baixas, deu no que deu. Agora, o fato de quase ninguém naquela turma ter se tornado um bom leitor não é culpa da professora Lourdes. Ela teria de ser muitas dezenas ao longo da vida dessas crianças, dentro e fora da escola, para fazer diferença.
Acho que eu tinha 13 ou 14 anos. Não lembro do nome da professora, mas lembro do rosto dela e da mão levantada, segurando o volume de Histórias Extraordinárias. Queria saber se alguém tinha interesse em ler. Dei um pulo, e a cadeira quase foi para o espaço, o que me valeu a gozação dos colegas. Mas e daí? Eu andava lendo revistas de contos policiais e, num artigo, tinham falado de um tal Edgar Allan Poe, o inventor do gênero.
Morando numa cidadezinha, na serra gaúcha, que tinha duas papelarias que vendiam apenas José de Alencar e José Mauro de Vasconcelos, era improvável que eu conseguisse botar a mão num escritor desses. Foi uma sorte, então, essa professora e seu método de pescaria no escuro, à margem do currículo. Claro, a escola não é apenas a prova de matemática e sua conseqüência natural, a recuperação. Ou as regras gramaticais e nosso desejo de dar uma rasteira nelas.
Há outras matérias, coisas que se insinuam entre os gestos da professora, no tom da voz, nas expectativas, nas atitudes. Coisas que também estão nos colegas, nas tramas e estripulias do recreio.
Há mensagens secretas ou evidentes se entrecruzando a todo momento, em toda parte.
É preciso estar atento a elas.

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