Ocorrência do vírus da hepatite E no Brasil é investigada
A hepatite é uma doença inflamatória que atinge o fígado e compromete o desempenho de suas funções podendo evoluir, conforme a gravidade do caso, para cirrose ou câncer. A hepatite pode apresentar etiologia viral, tóxica ou autoimune. A doença pode ter forma aguda (auto-limitada e raramente fulminante) ou evoluir para cronicidade. As hepatites mais comuns são de origem viral e causadas pelos vírus A, B, C, Delta e E. As hepatites B, C e D podem ser transmitidas principalmente por via sexual, vertical (mãe-filho) e parenteral. No caso das hepatites A e E, a principal via de contágio é fecal-oral, por meio da ingestão de água e alimentos contaminados. Neste conjunto, a hepatite E vem merecendo especial atenção dos pesquisadores.
Para investigar a presença da hepatite E no Brasil, 64 amostras sorológicas de pacientes com hepatite aguda sem etiologia definida (ou seja, com agente causador desconhecido) foram selecionadas pelo Grupo de Atendimento para Hepatites Virais do Laboratório de Hepatites Virais do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). O material foi submetido a testes sorológicos e moleculares no Laboratório de Desenvolvimento Tecnológico em Virologia do IOC. As análises possibilitaram o diagnóstico laboratorial do vírus E (HEV, na sigla em inglês) em um dos pacientes acometidos pela forma aguda da hepatite. Anticorpos específicos da classe IgG (anti-HEV) para este vírus já haviam sido encontrados em diferentes grupos populacionais no Brasil, indicando um contato anterior destas pessoas com o HEV, mas, até então, nenhum caso de hepatite E aguda havia sido registrado.
A pesquisa, realizada por meio de uma colaboração entre os laboratórios de Desenvolvimento Tecnológico em Virologia, Hepatites Virais e de Virologia Comparada e Ambiental do IOC, é descrita no artigo First report of a human autochtonous hepatitis E virus infection, publicado no periódico científico Journal of Clinical Virology. “Os estudos sobre a hepatite E no Brasil ainda são muito recentes se compararmos com os de doenças causadas por outros vírus”, afirma Débora Regina Lopes dos Santos, uma das autoras do artigo. “O que se observa ao longo da história é que as regiões consideradas não endêmicas, como o Brasil, apresentam evidências sorológicas quando são realizados estudos de prevalência, indicando que uma possível razão desta alta prevalência para a hepatite E seja a manutenção do vírus em reservatório animal”, declara Débora, que defendeu sua tese de doutorado em biologia parasitária no IOC em abril deste ano.
Segundo ela, há pesquisas no mundo que detectaram a existência do HEV em animais, principalmente em suínos, mas ela destaca que a transmissão zoonótica por meio de contato direto com animais ou consumo de carne infectada ainda está sob investigação. “Um estudo realizado no Japão comparou a sequência nucleotídica do vírus encontrado em um paciente infectado com o HEV detectado em amostras de fígado de porco consumido pelo paciente. Observou-se que as sequências eram similares”, relata.
Os pesquisadores afirmam que a provável transmissão do vírus para humanos por via zoonótica pode contribuir para a presença dos anticorpos anti-HEV na população brasileira. No entanto, segundo o estudo, ainda é necessária a caracterização molecular dos vírus encontrados em casos autóctones no Brasil para investigar esta possibilidade. No trabalho publicado no Journal of Clinical Virology, a amostra do paciente demonstrou estar relacionada a outra amostra de suíno, caracterizada em outro estudo realizado pelo grupo em colaboração com a Universidade Federal do Mato Grosso e com o pesquisador do Laboratório de Neurovirulência de Biomanguinhos/Fiocruz Renato Sérgio Marchevsky.
De acordo com Marcelo Alves Pinto, chefe do Laboratório de Desenvolvimento Tecnológico em Virologia do IOC e coordenador da pesquisa, um dos objetivos do estudo é chamar a atenção das instituições de saúde pública para a possibilidade de haver mais casos não diagnosticados laboratorialmente e, portanto não notificados, permanecendo fora das estatísticas do Ministério da Saúde. “Se pensarmos em termos de saúde pública, a gravidade desta doença pode não ser evidente, mas o papel de uma instituição de pesquisa comprometida com o binômio saúde/sociedade é dar um retorno ao público sobre os estudos realizados, assim como, fornecer informação e possíveis estratégias para dinamização do diagnóstico no futuro”, destaca Débora.
Ela lembra que casos agudos e fulminantes já foram descritos em países como a Argentina. Um surto de outro genótipo do HEV, não associado à transmissão zoonótica, foi descrito no México e em Cuba além de países asiáticos. “Apesar de nenhum surto ter sido registrado no Brasil até o momento, é importante que as autoridades de saúde tenham conhecimento”, declara. Cozinhar bem a carne antes do consumo e manter boas condições de saneamento básico e higiene são ações importantes para prevenir a doença. Segundo os pesquisadores, o estudo servirá como ponto de partida para pesquisas mais amplas.
A hepatite E A hepatite E é causada pelo vírus E (um RNA-vírus) e sua transmissão é fecal-oral, ocorrendo por meio do consumo de água ou alimentos contaminados. A Organização Mundial da Saúde (OMS) também informa, em sua página na internet (em inglês), que existe a possibilidade de transmissão zoonótica do vírus, considerando que este vírus circula em granjas de suínos. De acordo com a OMS, o primeiro caso comprovado de epidemia de hepatite E foi relatado na década de 1980.
Segundo o Ministério da Saúde (MS), apesar de as condições sanitárias serem deficientes em muitas regiões, não foi descrita nenhuma epidemia causada pelo vírus E no Brasil. Já na África, Ásia, México, e, recentemente, em Cuba, surtos foram registrados. Ainda de acordo com o MS, a hepatite E causa quadros graves principalmente em gestantes. O pesquisador do IOC, Marcelo Alves Pinto, informa que, geralmente, a doença apresenta um quadro clínico semelhante ao da hepatite A. “De uma maneira geral, ela difere da hepatite B e da C por apresentar-se nas formas sub-clínica e aguda. Apesar de deixar o indivíduo incapacitado durante muito tempo, é uma doença auto-limitada”, completa.
Texto: Marina Schneider
Fonte: Agência Fiocruz de Notícias
Fonte: Agência Fiocruz de Notícias
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